quinta-feira, 1 de março de 2012

Estação das Perdas

Há horas em nossa vida
que somos tomados por uma enorme sensação de inutilidade,de vazio...

Questionamos o porquê de nossa existência e nada parece fazer sentido.
Concentramos nossa atenção no lado mais cruel da vida, aquele que é implacável e a todos afeta indistintamente:

As perdas do ser humano.
Ao nascer, perdemos o aconchego ,a segurança e a proteção do útero.

Estamos, a partir de então, por nossa conta.

Sozinhos.

Começamos a vida em perda e nela continuamos.
Paradoxalmente,no momento em que perdemos algo, outras possibilidades nos surgem.

Ao perdermos o aconchego do útero, ganhamos os braços do mundo.

Ele nos acolhe: nos encanta e nos assusta, nos eleva e nos destrói...

E continuamos a perder...e seguimos a ganhar.

Perdemos primeiro a inocência da infância.
A confiança absoluta na mão que segura nossa mão, a coragem de andar na bicicleta sem rodinhas por que alguém ao nosso lado nos assegura que não nos deixará cair...

E ao perdê-la, adquirimos a capacidade de questionar.
Por que?
Perguntamos a todos e de tudo...

Abrimos portas para um novo mundo e fechamos janelas, irremediavelmente deixadas para trás...

Estamos crescendo.

Nascer,
crescer,
adolescer,
amadurecer,
envelhecer,
morrer,
renascer (?)...

Vamos perdendo aos poucos alguns direitos e conquistando outros.

Perdemos o direito de poder chorar bem alto, aos gritos mesmo, quando algo nos é tomado contra a vontade.

Perdemos o direito de dizer absolutamente tudo que nos passa pela cabeça sem medo de causar melindres.
Assim, se nossa tia às vezes nos parece gorda tememos dizer-lhe isso.

Receamos dar risadas escandalosamente da bermuda ridícula do vizinho ou puxar as pelanquinhas do braço da vó com a maior naturalidade do mundo e ainda falar bem alto sobre o assunto.

Estamos crescidos e nos ensinam que não devemos ser tão sinceros.

E aprendemos..
E vamos adolescendo...
ganhamos peso,
ganhamos, seios,
ganhamos pelos,
ganhamos altura....
ganhamos o mundo.

Neste ponto,vivemos em grande conflito.

O mundo todo nos parece inadequado aos nossos sonhos...
ah! os sonhos!!!

Ganhamos muitos sonhos.
Sonhamos dormindo,
sonhamos acordados,
sonhamos o tempo todo.

Aí de repente, caímos na real!
Estamos amadurecendo...
todos nos admiram.

Tornamo-nos equilibrados, contidos,ponderados.

Perdemos a espontaneidade.
Passamos a utilizar o raciocínio,a razão acima de tudo.

Mas não é justamente essa a condição que nos coloca acima (?) dos outros animais?

A racionalidade, a capacidade de organizar nossas ações de modo lógico e racionalmente planejado? (???)

E continuamos amadurecendo.... ganhamos um carro novo, um companheiro,ganhamos um diploma.

E desgraçadamente perdemos o direito de gargalhar, de andar descalço, tomar banho de chuva,
lamber os dedos e soltar pum sem querer...

Mas perdemos peso!!!
Já não pulamos mais no pescoço de quem amamos e tascamos - lhe aquele beijo estalado... mas apertamos as mãos de todos,
ganhamos novos amigos,
ganhamos um bom salário,
ganhamos reconhecimento,
honrarias,
títulos honorários
e a chave da cidade...

E assim,
vamos ganhando tempo....
enquanto envelhecemos.

De repente
percebemos que ganhamos algumas rugas,
algumas dores nas costas (ou nas pernas),
ganhamos celulite,
estrias,
ganhamos peso...
e perdemos cabelos.

Nos damos conta
que perdemos também o brilho no olhar,
esquecemos os nossos sonhos,
deixamos de sorrir...
perdemos a esperança.

Estamos envelhecendo.
Não podemos deixar pra fazer algo quando estivermos morrendo...
afinal, quem nos garante que haverá mesmo um renascer,
exceto aquele que se faz em vida,
pelo perdão a si próprio,
pelo compreender que as perdas fazem parte,
mas que apesar delas,
o sol continua brilhando
e felizmente chove de vez em quando,
que a primavera sempre chega após o inverno,
que necessita do outono que o antecede...

Que a gente cresça e não envelheça simplesmente...
Que tenhamos dores nas costas e alguém que as massageie...
Que tenhamos rugas e boas lembranças...
Que tenhamos juízo mas mantenhamos o bom humor e um pouco de ousadia... Que sejamos racionais, mas lutemos por nossos sonhos...
E, principalmente, que não digamos apenas eu te amo,
mas ajamos de modo que aqueles a quem amamos,
sintam-se amados mais do que saibam-se amados. Afinal, o que é o tempo?

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